terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A última esmola.

Sob o sol da meia-noite escondo minha sombra por trás da escuridão crescente. E cubro minhas feridas com o pano quente e sujo que me veste. Subjugado pela vida, julgado pela justiça do homem e sentenciado à  fome e ao frio.Entre um outdoor e outro, estiro meu corpo cansado no asfalto maciço. Abrigo desse coração doído, desse cérebro pensante (apesar de não poder demonstrar), casa de ossos e músculos, morada da minha alma sofrida, esse é o meu corpo doente. Velho cronologicamente e jovem, porque pouco vivi das alegrias humanas. Embora muito tenha caminhado, pouco conheci do mundo lá fora... Vejo sempre as mesmas coisas. Carros, pessoas, cachorros perdidos que dormem ao sereno como eu e comigo, um amontoado de lixo onde encontro todo o sustento e todo o luxo que já pude experimentar nessa existência.
Misericordioso é o céu, a lavar-me com a chuva quando não tenho onde tomar um banho. Bendito é o
vento a secar minhas lágrimas. Divinas são as árvores, que me proporcionam a sombra para o descanso da tarde. Sorte do homem que desconhece a dor da verdade, porque em seu mundo de mentira é mais fácil ser feliz. A cara e a coroa das moedas que atiram sobre mim são, provavelmente, uma das poucas coisas que
realmente me encara. Contemplo-as por uns instantes, antes de me despedir das traiçoeiras amigas em troca
de um pão, um mingau ou um cigarro. Aprecio as doações diárias porque tornam menos árdua
a minha sobrevivência. Mas admito que tenho um pedido diferente dessa vez: Me amem.
Não desse jeito com que amam aos seus. Mas  reconheçam-me, ao menos, como um ser vivente.
Não é preciso que me abracem. Realmente o meu cheiro não deve ser do seu agrado.  E nem precisa convidar-me pra um jantar em família ou fazer curativos nas minhas feridas. Eu sou um verminoso, talvez um viciado, um cheirador de cola, um mendigo. Mas não sou um marginal. Então, por favor, façam diferente dessa vez. E me olhem, me vejam, me enxerguem, me ouçam, me escutem, mostrem que eu aindo existo pra que eu não continue a pensar que morri. E, por favor, se encontrarem meu corpo estendido sem vida pela rua, façam a caridade de não deixar apodrecê-lo em qualquer lixo da cidade. Já vivi muito no lixo pra passar a morte assim. É só isso que eu espero. E, sem orgulho, é isso que  peço como uma última esmola.

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