Não é justo. Logo eu... Eu que estava aqui plantada, quietinha no meu canto fui logo descobrindo a delícia de ser regada por você. E a cada dia em que você chegava perto, eu sabia que ia me deixar confortável, afofando minha terra, fazendo do meu chão o meu céu, porque eu me sentia nas nuvens. E também ia me incentivar, me estimular, me fazer crescer com seu adubo. E também ia saciar minha sede, lavar-me e deixar a água mais límpida do mundo tocar os mais profundos pontos de minha alma.
E eu ia ficando mais bonita, porque você me cuidava e porque eu ia acreditando nesse amor. Ia ficando mais formosa, mais cheirosa, exalando o perfume mais suave à minha volta, para inebriar-te em tua chegada. Ia também me abrindo devagar, deixando você descobrir meus segredos, meus mistérios, deixando você fazer parte da minha vida.
E logo eu... Logo eu que tinha espinhos. Logo eu que tinha medo de te machucar, porque sabia que isso era possível, fui cedendo pouco a pouco, fui deixando-me domesticar, deixando-me domar, tornando-me dócil e delicada. Exatamente como uma flor deve ser. Bonita, cheirosa, frágil e cheia de ternura, como uma flor deve ser.
Então, como se eu fosse flor, você arrancou-me pelas raízes. Tirou de mim o meu sustento. Não teve, ao menos, piedade. E, sem espinhos, era eu, sem nem poder lhe afrontar, nem defender-me. Não te feri. Apenas chorei. Chorei a cada pétala que arrancou, num "bem-me-quer, mal-me-quer" que só me quis fazer o mal. E logo eu... Logo eu que não era flor alguma, mas uma pessoa, inteiramente humana. E nem mesmo com as flores se faz isso. Ou não se deveria fazer. Mas você nem quis levar em conta que eu não era uma flor e nem estava ali para enfeitar o seu buquê.
Logo eu... Logo eu que sempre fui forte, sempre fui gente, sempre fui eu.
Deixei ser cultivada, iludida ao ser bem cuidada. Deixei ser bem tratada e, em seguida, maltratada, destruída, estraçalhada. Deixei ser (es)colhida como se eu fosse flor. Como se eu fosse uma pequenina e indefesa flor.

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